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Sobre partidas


 É apenas perante a dor da morte que o caráter de um homem nasce
  Santo Agostinho

Talvez não exista dor maior que a dor do luto

O luto, que não representa necessariamente a perda física, como explicou Freud em Luto e Melancolia, traz à tona sentimentos como raiva, desesperança, impotência, culpa e medo, entre outros, que se alternam ou aparecem todos juntos, somando-se para produzir a ilusão de que é possível voltar atrás, distorcendo a realidade cruel da perda, tentando explicá-la, ou nublá-la ou negá-la.

O mundo externo, diferente do interno, processa o luto de uma forma rápida e brutal, sem conceder a quem sofre a mesma velocidade de metabolismo afetivo. De maneira desesperada, aquele que perdeu tenta se defender. Esse desespero defensivo é barulhento e faz parte da elaboração normal do luto, que precisa cessar um dia. Sobra, então, o silêncio do vazio. A batalha penosa contra a inevitável realidade da perda finalmente está acabada. Com o tempo e o trabalho de luto, é esperado que a pessoa volte a investir afeto em outras coisas além da perda. O enlutado pode, enfim, baixar a cabeça, suspirar e recomeçar. O mundo, que parecia cinzento, volta a ser um campo de interesse fértil.

A dor que há pouco machucava de uma forma sádica a mente do enlutado a ponto de esmagá-la, dá lugar a uma cicatriz profunda, que remeterá, no futuro, à lembrança. Ficam as memórias serenas do que se foi, do que não é mais possível reconstruir ou trazer à vida. Resta ao enlutado voltar a viver. 

Por mais óbvio que pareça, é difícil perceber que a perda é mais trágica para quem sobrevive. A aceitação da perda dói mais do que a perda real. Viver em luto é mais difícil do que morrer. De certa forma, morre-se junto com o que se foi. Perde-se um pedaço daquilo que é ou foi essencial em algum momento, do que fazia parte subjetiva do próprio ser e que continua sendo importante. 

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