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Tratamento psiquiátrico na gravidez: quais são os riscos?

Existe uma debate importante na área médica a respeito do uso de medicações, principalmente dos antidepressivos, durante a gravidez, pois é alta a incidência de transtornos psiquiátricos nesse período. Há estimativas que mostram que até 1/4 das gestantes apresenta algum transtorno depressivo durante a gravidez e que até 15% usam algum antidepressivo ao longo da gestação*. Um dos maiores problemas é o fato de que muitas mulheres que fazem uso de medicações só descobrirão a gravidez com o atraso da menstruação, justamente no período crítico para a formação do bebê. 

É importante ter em mente que nenhuma medicação foi aprovada sem restrições para o uso durante a gestação, pois todas atravessam a placenta e produzem algum tipo de efeito. Até o fim dos três primeiros meses, podem sobrevir alterações na formação do bebê; o uso no final da gravidez pode resultar em intoxicação ou abstinência ao nascer (sintomas como irritabilidade, tremores e dificuldade para a alimentação) e, como um risco extra, a própria exposição, em qualquer fase, pode atrasar o que os médicos chamam de desenvolvimento neuropsicomotor, como o início da fala ou do caminhar e o quoeficiente de inteligência.

Como regra geral, medicamentos como os antidepressivos e antipsicóticos antigos de alta potência, por exemplo, tem baixa probabilidade de causar danos à formação da criança, enquanto os anticonvulsivantes (muito usados em psiquiatria como estabilizadores do humor) são os que oferecem maior risco.

Um estudo** que avaliou 1071 mulheres e seus bebês concluiu que o risco de a criança nascer com baixo peso era maior para as mães que usaram estabilizadores do humor durante a gravidez; o risco de hospitalização ao nascimento era maior, independente do baixo peso, para as que usaram antipsicóticos, antidepressivos, hipnóticos ou sedativos.

A decisão de usar ou não medicamentos durante a gestação leva em conta a gravidade do quadro psiquiátrico, além de ponderar riscos e benefícios. Uma gestante deprimida continuará sendo uma mãe deprimida, o que afeta diretamente o desenvolvimento do filho. Por outro lado, uma gestante que usa antidepressivos, além de expor seu bebê a riscos, tem maiores chances de apresentar hipertensão, sangramento e pré-eclâmpsia***. Mesmo que existam riscos ao bebê, muitos médicos acabam optando pelo uso de psicofármacos porque a gravidade do quadro psiquiátrico, por si só, já é um fator de risco muito grande, tanto para a mãe quando para o bebê em formação. Alguns especialistas**** alertam para o fato de que o estigma associado às doenças mentais pode fazer com que os médicos fechem os olhos aos riscos de uma gestante ou mãe não tratada ao passo que superestimam os riscos do tratamento psiquiátrico durante a gravidez.

Numa situação ideal, uma mulher que esteja em tratamento psiquiátrico deve planejar sua gravidez e discutir as possibilidades terapêuticas com todos os seus médicos para minimizar as chances de prejuízos ao bebê e a si mesma. 

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*Yonkers KA, Wisner KL, Stewart DE, Oberlander TF, Dell DL, Stotland N, et al. The management of depression during pregnancy: a report from the American Psychiatric Association and the American College os Obstetricians and Gynecologists. Gen Hosp Psychiatry. 2009;31(5):403-13.
**Sutter-Dallay AL, Bales MPambrun EGlangeaud-Freudenthal NMWisner KLVerdoux H. Impact of prenatal exposure to psychotropic drugs on neonatal outcome in infants of mothers with serious psychiatric illnesses.J Clin Psychiatry. 2015 Mar 31.
***Gadot Y, Koren G. The use of antidepressants in pregnancy: focus on maternal risks.J Obstet Gynaecol Can. 2015 Jan;37(1):56-63.
****Osborne LM, Payne J. Antidepressants, pregnancy, and stigma: how we are failing mothers and babies.J Nerv Ment Dis. 2015 Mar;203(3):164-6.

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